domingo, 31 de julho de 2011

Santo Antonio da Platina - parte 2

Esta última postagem do diário de viagem está sendo quase um parto. O que está sendo contado aqui foi uma das maiores experiências da minha vida, e uma coisa assim não pode ser abordada de qualquer jeito. Como já ficou muito claro para mim - e já foi dito e repetido em postagens anteriores, a linguagem que domino não é competente para dar conta da experiência existencial. Por mais precisa e profunda que possa ser minha escrita e a descrição/narração das coisas ocorridas, já sei de antemão que não ficarei completamente satisfeito com o resultado. Ainda que eu esteja escrevendo isto principalmente para me referenciar e localizar, é óbvio que, se estou publicando numa mídia supostamente acessível ao mundo inteiro, é porque quero leitores - de preferência que se sintam tocados pelo que estiver escrito. Aqui chegamos a um ponto em que a viagem está terminando e as pontas - até agora soltas - se juntam. Mas não existe nenhum efeito especial, um clímax ou conclusão, e a história pode ficar até sem graça...

Feita a ressalva, declaradas as intenções e delimitado o problema, joga-se tudo pro espaço e seja o que Deus (ou a fortuna) quiser. Retornemos para a tarde de 16 de junho de 2011 em Santo Antonio da Platina, Norte Pioneiro do Paraná...

Maria Tereza (Titita) e Cícero Ferreira Dias, padrinho de Crisma do Candinho

Dona Marta Dal Bianco (filha do Cícero Ferreira Dias) e Candinho

Depois do encontro com a Bia, fizemos mais algumas fotos e anotações, fomos para o hotel, descarregamos as bagagens, descansamos alguns minutos e aí já era quase a hora marcada para a visita a Dona Marta, comadre de Candinho. Fomos muito bem recebidos, mas ficou óbvio que a senhora foi pega de surpresa e até ficou um pouco sem jeito. Foi tudo um pouco formal, mas muito suave e agradável. Dirceu, discreto como sempre, ficou nos esperando no carro. Fotos, anotações, lembranças dos velhos tempos. Candinho pediu uma imagem dos pais dela, padrinhos de crisma dele nos idos da década de 1930, que chegaria dias depois, pela internet. Paramos numa pastelaria para o lanche e fomos para o hotel. O velhinho devidamente instalado, a TV ligada, meu banho tomado, toca o celular: Bia e Pitt estavam vindo me pegar para darmos um passeio.


Alguns lugares em torno do perímetro da cidade, lendas urbanas de Santo Antonio da Platina (cidades pequenas também tem disso), frango à passarinho, cerveja, fotos antigas, a localização aproximada da serraria em que meu avô Cândido era sócio do Fernandes nos anos de 1920... Uma conversa rápida pra podermos dar conta, se não de tudo, de todo o possível. O senhorzinho de 93 anos no quarto do hotel, este que vos escreve passando um pouco da metade desse caminho e meus amigos trinta anos mais novos que eu – uma escadinha de gerações... Essa noitada rendeu ou renderá frutos importantes para a conclusão do trabalho sobre a história da família antes da fatídica noite em que Valdemar tombou no Lageado, e certamente para todo o resto da minha vida. Vivemos algumas horas de intermitência entre uma lucidez responsável e uma loucura adolescente. De retorno ao hotel, Candinho estava acordado, me esperando preocupado. Então aconteceu uma coisa que eu ainda não posso contar aqui porque pactuamos segredo, eu e meu pai, pelo menos enquanto está recente e possa haver um envolvimento emocional – mas posso dizer que foi o fecho dramático de toda a aventura do pai e do filho de retorno às origens, uma cena que, no momento certo, fará parte dos clássicos de minhas memórias. Sobre o fato só posso dizer que foi profundo e revelador; que saímos dessa, Candinho e eu, fortes, cúmplices e amigos como nunca antes nas nossas vidas.

Bia, eu, Pitt. O frango à passarinho está fora da cena, mas está na mesa.


Recortes da paisagem da terra dos ancestrais

Dia seguinte, 10 e alguma coisa da manhã: hotel acertado, minha passagem para Londrina comprada, Dirceu e Candinho na estrada, rumo a Curitiba. Tenho até as 13 horas. Me encontrei com Bia no centro da cidade (Pitt estava trabalhando: ele é jornalista de um diário de circulação regional) e saímos em mais um passeio por pontos da cidade. Fomos até a antiga estação Platina, que aparece em mais de um trecho das narrativas de Candinho; ali ao lado as antigas casas dos ferroviários, hoje ocupadas por ciganos (melhor não ficar muito tempo – sabe-se que existe certa tensão entre os ocupantes e as pessoas da cidade). Depois, por outro caminho, os campos e colinas em volta do perímetro urbano: o fato de ser véspera de meu aniversário, de ter passado os últimos dias numa relação intensa com meu pai; aquela menina linda e gente boa ali, passeando comigo no meio da amplidão daquela paisagem, somados ao cansaço físico da correria dos dias anteriores, à minha excitação intelectual e a uma predisposição para uma espécie de devaneio místico, me deixaram num estado de espírito muito peculiar. Fomos até um lugar onde existe um túnel ferroviário construído nos anos 20, mesma época em que Candinho, criança, viveu por ali e seu irmão mais velho, Daniel, trabalhou no entreposto da Railway, ao lado da estação hoje ocupada...

O lugar é lindo e o dia era um daqueles raros em que tudo – da qualidade do ar até a temperatura e a luz – estava na medida certa... Voltamos até a cidade, almoçamos, me levaram até a rodoviária, peguei meu ônibus e retornei a Londrina...

Não há mais muito que dizer, o que não significa que tudo o que aconteceu simplesmente acabou e não voltará mais. Na verdade ali começou uma coisa que mal e mal se delineou e cujos efeitos ainda se farão sentir por muito tempo, creio que por todo o resto da minha vida. Ali foi, ao mesmo tempo, um ponto de chegada e um novo ponto de partida...

...como se pode ver, não existe um momento culminante nesta história. E também não há mais nada que eu consiga, neste momento, dizer a respeito. O diário de viagem aqui chega a um ponto final e minha própria história, por mais que já esteja no meio do caminho, ainda está só começando. Vamos em frente: cada momento é o primeiro do primeiro dia do resto da vida de cada um, mas há momentos que brilham mais do que outros, como se fossem faróis, e eu simplesmente não sei porque isso acontece. Talvez não seja importante obter respostas, mas sim formular as perguntas do jeito certo...

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