terça-feira, 30 de agosto de 2011

Mais pilulas

Mudança

Por aqueles dias a família se mudou da serraria para uma casa melhor, de alvenaria e piso de assoalho, no centro da cidade, na esquina da praça da cadeia. Cândido, agora que não podia mais contar com o Véio Dito, tinha vendido sua parte da sociedade ao Sr. Fernandes, liquidado sua participação na serraria e estava começando com um negócio de secos e molhados, mais uma oficina de carpintaria num puxado de tábuas ao lado da casa. Foi nessa época que Candinho foi à escola pela primeira vez:

Candinho na Escola

Ele ia e voltava por aquelas ruas de terra, pisando o solo arenoso do lugar e chutando as pedrinhas do caminho com suas alpargatas fanabor de lona impermeável e sola de corda. A primeira coisa que ele aprendeu é que o objetivo da escola era passar o livro, ou seja, começar a estudar desde o começo, passando pelo meio e até o fim, de acordo com o que estava proposto na cartilha. No começo ele não entendeu muito bem o que queria dizer aquilo, mas depois achou que entendeu, e teve uma ideia brilhante para chegar ao fim do livro mais rapidamente diminuindo o tamanho dele. Quando voltava para casa, abriu seu livro e começou a arrancar as páginas, do fim para o começo, para passá-lo mais rápido e assim precisar ficar menos tempo na escola... Chegando em casa, todo orgulhoso de sua boa ideia, contou-a inocentemente ao pai que ficou muito, mas muito bravo mesmo, e achou por bem ensinar umas noçõezinhas básicas de certo e errado para aquele guri do jeito que sempre fazia, sem bater nem castigar fisicamente, mas aplicando uma punição moral, como ele sabia fazer muito bem, que deixava o punido incomodado e pensando no assunto por bastante tempo.

O professor com quem o menino estudava na escola chamava-se Cunha e era muito severo, chegava a ser assustador. Nunca aconteceu com Candinho, mas ele se lembra muito bem de como eram resolvidas questões disciplinares em sala de aula, particularmente com os alunos mais velhos, em sala de aula. Ele usava a palmatória, que é um instrumento como uma colher de pau plana ou um pequeno remo com a qual se aplicavam os bolos, batidas fortes nas palmas das mãos dos alunos.

O professor chamava o indisciplinado a um canto e, sob as vistas de todos os demais segurava o pulso do aluno com a mão aberta e castigava de acordo com uma classificação da indisciplina; de 1 a 12 bolos e palmatória, de acordo com a gravidade do ato: colocar carrapicho no assento do colega da frente, cuspir, escarrar, brigar, fazer bagunça durante a aula, jogar papel no outro, xingar ou ameaçar o professor. Era brutal, e Cunha parecia bater com gosto. O garoto saía chorando e muitas vezes retornava no dia seguinte com a mão inchada e a cara de quem estava passando dor. Assim muitos talvez nem tenham chegado a aprender a escrever direito o próprio nome.

A revolução dos tenentes

A cinco de Julho de 1924, segundo aniversário do levante ocorrido na Capital Federal, na época o Rio de Janeiro, que ficou conhecido como “Os 18 do Forte”, eclodiu a revolta tenentista no vizinho estado de São Paulo, liderada por Isidoro Dias Lopes. Da varanda da casa onde então a família morava, bem diante da Praça da Cadeia, Candinho observou várias vezes tropas de revolucionários que passavam por ali. Havia um aquartelamento perto de Santo Antonio da Platina, e a movimentação era grande. Às vezes eles estavam bem compostos e descansados, outras, iam e vinham sujos, exaustos e mortos de fome, uns a cavalo, outros a pé, uniformes desgrenhados, as polainas de couro duro protegendo-lhes as canelas, armados com revólveres de tambor e espingardas. Isso durou pouco tempo e quase não afetou a vida da cidade. Se houve combates na região, Candinho não sabe dizer. E, tão rápida e inesperadamente como vieram, as tropas se foram, seguindo adiante para o Rio Grande do Sul, para formarem, junto aos tenentes gaúchos liderados por Luis Carlos Prestes (cognominado O Cavaleiro da Esperança), a Coluna Prestes, que marcharia pelo país até 1927 numa tentativa quixotesca de fazer a revolução comunista no Brasil.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

historinhas em pílulas

Depois da viagem e do longo parênteses aberto com ela neste blog, voltemos a Santo Antonio da Platina nos anos de 1920, quando Candinho era uma criança de menos de 10 anos.

A festa do Padroeiro e a fogueira acesa com lagarto

O padroeiro da cidade era, como se poderia esperar, Santo Antonio, e a festa mais aguardada do calendário local era, justamente, a celebração do dia do Santo, que acontecia na praça principal, diante da Igreja Matriz: barraquinhas de jogos, comidas e prendas, a banda Lyra Platinense, que sempre tocava nessas ocasiões, devidamente posicionada no coreto que ficava no centro da praça. De noitinha juntava-se uma pequena multidão a espera da fogueira ser acesa com um espetáculo de fogos de artifício, o que era o ponto alto da festa. A lenha era empilhada, tronco sobre tronco, até uma altura de 8 a 10 metros e, entre essas madeiras grossas e no miolo da fogueira, eram colocados pedaços de madeira mais finos – gravetos, cepilhos, cavacos e palha de milho, e o grande momento era quando a pirâmide ia ser acesa, o que marcava também o início das festividades. O fogueteiro oficial esticava um arame desde o centro da pilha até uma esquina mais abaixo, a 70 ou 80 metros de distância, e sobre esse varal era colocado o chamado lagarto, um foguete incendiário feito com pólvora que corria por ele. No momento certo, o fogueteiro acendia o pavio do lagarto e este corria rapidamente sobre o arame desde a esquina até o centro da pilha, onde então explodia e dava a partida no espetáculo de fogos. Os gravetos, cepilhos, palhas e cavacos então se acendiam, fazendo arder os troncos maiores, até tocar fogo em toda a enorme pira, sob os aplausos entusiasmados dos assistentes. Enquanto isso se dava, A Lyra Platinense, devidamente posicionada no coreto a uma distância segura, atacava um dobrado ou uma marcha. E a festa então começava oficialmente.

Eletricidade

Cândido e Fernandes tinham adaptado um dínamo ao vapor da serraria e, desde esse dínamo, esticaram alguns fios pela cidade, sobre postes que eles mesmos produziram. Instalaram bocais com lâmpadas e interruptores em algumas casas e logradouros públicos que acendiam no fim da tarde e ficavam acesas até lá pelas 22h... Mas a luminosidade das lâmpadas incandescentes era muito fraca, irregular e instável, e a experiência não durou muito tempo. Ao que saiba Candinho, a história nunca registrou o fato de que os primeiros a levarem a energia elétrica para a cidadezinha, nos idos de 1924, foram os sócios da serraria. Por esses dias, o prefeito e grande líder político local era o Coronel Capucho.

Daniel aproveitou a energia elétrica para inventar uma brincadeira engenhosa: Cândido já estava se desligando da serraria e montando sua casa comercial no centrinho da cidade, a uma quadra da Praça da Matriz, e tinha puxado a eletricidade até lá e instalado uma tomada na parede. Daniel então ligou um fio bem fininho nas duas saídas da tomada, passou esse fio pelo canto do balcão e fixou a outra ponta numa perfuração feita numa moeda que foi depois mergulhada numa bacia com água. No período em que o dínamo ficava ligado não parava de passar uma leve corrente por aquele fio. A quem entrava no armazém, Daniel desafiava:

- Se você conseguir pegar a moeda de dentro da bacia, ela é sua.

Quem encostava a mão na água, tomava um choque leve. Gente que nunca tinha sabido na vida que a energia elétrica existia, tomava contato com ela de modo a nunca mais esquecer disso. Vários iam mais de uma vez desafiar a eletricidade, achando que podiam vencê-la pela velocidade ou pela esperteza, e o máximo que conseguiam era derramar água da bacia com o solavanco do choque.