sexta-feira, 9 de julho de 2010

O Material

O último texto postado contava a história da criação do Distrito Judiciário do Lageado, ocorrido em 1929, e do decreto de Getúlio Vargas que determinava que todos os cartórios fizessem gratuitamente o registro civil de quantos cidadãos brasileiros os procurassem para esse fim. Candinho já aprendera a escrever com o professor Cunha, que aplicava bolos de palmatória nos alunos malcriados, anos antes, em Santo Antonio da Platina, e entrou para trabalhar no cartório com a primeira máquina de escrever que via na vida. Datilografou centenas de registros de nascimento e certidões de casamento, escreveu cartas e mais cartas a parentes distantes para mostrar a eles como se dava bem com aquela impressionante novidade tecnológica e como o distante lugar conhecido como Lageado já fazia parte do mundo moderno.
Na narrativa estão localizados vários elementos que remetem aos grandes ciclos da história do Brasil, e vários elementos de uma história particular. A criação do distrito, o decreto getulista, o cartório, a máquina de escrever, os registros civis, tudo faz parte de uma memória única, ao mesmo tempo histórica e pessoal. A nomeação de Candido como subdelegado começa a indicar para a rixa com o delegado regional Osório Silva, mas este é assunto para o TCC. Aqui é o trabalho de tópicos de contemporânea.
Utilizando a narrativa como exemplo ou introdução à proposta propriamente dita, a ideia é que os alunos pesquisem e tragam para a sala de aula dados de suas memórias pessoais ou familiares, e trabalhem com esses dados construindo representações referenciadas no contexto social e/ou cultural da época e local a que se referem (no caso da narrativa em questão, o Distrito do Lageado nos anos de 1929/30). O que o pai (ou mãe, avô ou avó, bisavô ou bisavó) fazia enquanto a Grande História acontecia? Onde ele estava, onde morava, no que pensava? Qual o significado dessas coisas para mim? O que acontecia nos outros lugares enquanto isso?
O texto que conta sobre a criação do Distrito Judiciário e da Subdelegacia do Lageado e as fotos já postadas neste blog serão utilizados como pontos de partida para os efeitos de construção deste projeto.
As fotos, uma que mostra o povo do Patrimônio reunido para a festa de Santo Antonio no dia 23 de Junho de 1928 e a outra, que mostra quatro dos habitantes do local (um desconhecido, dois irmãos mais velhos e o pai de Candinho), segundo meu pai foram tiradas no mesmo dia e são todo o registro fotográfico de sua infância e do período em que sua família morou no Lageado:

[...] Para ali acorreu um fotógrafo viajante que estava vindo de Santo Antonio da Platina com seu tripé, sua máquina de caixote e sua mala de equipamentos. Montou seu estúdio debaixo de uma árvore que oferecia boa sombra e começou a trabalhar. Candinho tem só duas fotos do Lageado, e garante que foram todas tiradas no mesmo dia – neste dia e pelo fotógrafo itinerante (de quem o nome, até prova em contrário, está irremediavelmente perdido) que chegou com sua equipagem e passou o dia – uma parte do outro também – fotografando tudo o que fosse fotografável por ali. É desse dia a única fotografia conhecida de Candinho na infância. Ele é o terceiro da esquerda para a direita, quase irreconhecível, mas note-se o pano na canela, o chapeuzinho na cabeça, as mãos nos bolsos e a pose meio que atrevida. Tem ainda um rapazote à sua direita que pousa a mão em seu ombro e que Candinho não faz a menor ideia de quem seja (ou era). [...]

Estrutura das atividades:
Análise das fontes (narrativas e imagens) no contexto dos grandes ciclos da história e à luz do que elas revelam em termos de cultura material: a foto que abre este blog, por exemplo, uma das duas que restaram do Lageado, mostra como era, em 1928, o lugar que hoje faz parte do centro de uma cidade do Norte Pioneiro do Paraná, Abatiá. Como era aquela paisagem, como são as construções que aparecem, como se vestem, como se parecem as pessoas. Em outra abordagem do mesmo material, colocar a figura do fotógrafo itinerante naquela época e contexto, a relativa dificuldade de se registrar imagens e a importância de um personagem assim para, por exemplo, propiciar a única foto que se tem notícia de Candinho na infância. Ou depois, com o caso da máquina de escrever, como é, para uma criança do século XXI imaginar que não tão longe daqui no tempo e no espaço a coisa mais parecida que havia com um computador de hoje era a máquina de escrever mecânica. Incentivar os alunos a fazer o papel de pessoas que vivessem naquelas condições.
Realização de uma pesquisa dos estudantes em suas casas sobre itens de suas memórias pessoais ou familiares; objetos, imagens, depoimentos orais, relacionados à época pesquisada. Formação de pequenos grupos por afinidade que farão um trabalho de construção de representações relacionadas com o tempo e o contexto do tema do estudo a partir dos itens de memória que tenham coletado.

Como:
Leitura dos textos e exposição das imagens e discussão aberta sobre eles; pesquisa e apresentação dos resultados desta; formação dos grupos, por afinidade temática ou outras; construção e apresentação das representações (cartazes, Histórias em Quadrinhos, trabalhos escritos, colagens, representações teatrais, Hip Hop, qualquer linguagem).
O professor será aquele que, primeiro apresentará o contexto da história dos manuais, depois a proposta da história particularizada, e será responsável por toda a dinâmica da pesquisa, da formação e orientação dos grupos, além de facilitador no sentido de que fará as necessárias pontes entre a história particularizada por um recorte ou item de memória pessoal e familiar e a história dos grandes eventos. Funcionará, nesta fase, como uma espécie de coordenador e consultor de roteiro das montagens e apresentações...

Ainda está incompleto. Como já foi escrito em alguma das postagens anteriores, isto aqui é um trabalho em construção e as últimas postagens foram feitas com o objetivo de cumprir a tarefa de avaliação da disciplina de Tópicos de Ensino em História Contemporânea, primeiro semestre do ano letivo de 2010. O trabalho não seguiu rigorosamente o roteiro proposto, mas creio que conseguiu dizer ao que veio, embora esteja mais parecido com um projeto de oficina. Por outro lado, o processo de acabamento desses textos e montagem do blog tem sido de enorme valia para a formatação de meu projeto de TCC. Este trabalho está entregue aqui, mas o blog continua.

Aqui fecha o parênteses)

Referências Bibliográficas

Livro didático:
PERUZIN TUMA, Magda Madalena: Coleção Viver é Descobrir... História do Paraná – Editora FTD, 1ª edição – SP, 2008

Memória, biografia, testemunho:
BOURDIEU, Pierre. L’Illusion Biographique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales (62/63): 69 – 72, juin 1986

FRANK, Jean & LANDIERA FERNANDEZ, J.: Rememoração, Subjetividade e as Bases neurais da Memória Autobiográfica – Psicologia Clínica, vol.18, nº. 01, pág. 35 – 47, Rio de Janeiro, 2006

GAUER, G. & GOMES, W.G.: A experiência de recordar em estudos da memória autobiográfica: aspectos fenomenais e cognitivos. Memorandum, 11, 102-112.- http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a11/gauergomes01.pdf 102 Memorandum 11, out/2006 – Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP

KOLLERITZ, Fernando: Testemunho, Juízo Político e História – Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº. 48, p. 73-100 – 2004

Conjuntura:
MÜLLER, Nice Lecocq: CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO NORTE DO PARANÁ - revista Geografia, Londrina, v. 10, n. 1, p. 89-118, jan./jun. 2001

RAGGIO, Nadia Zaiczuk: Norte Novo do Paraná: Transformações no Campo e a Questão do Acesso à Terra – dissertação de mestrado em sociologia – Unicamp, Campinas, 1985

CANCIAN, Nadir Aparecida: Cafeicultura Paranaense 1900/1970 – Grafipar, Curitiba, 1981

Fonte Primária: Depoimentos de Candido Batista de Souza, meu pai Candinho, narrados por ele, gravados e transcritos por mim, trechos de livro em preparação. Memória, história oral.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Tópicos de Contemporânea

(Aqui abre um parênteses para o trabalho de tópicos de contemporânea -

informações de capa
Depois de algum tempo sem postagens (isto aqui é um trabalho em construção e obedece ao tempo da vida que, num final de semestre, quando se tem que concluir coisas ao mesmo tempo em que surgem tarefas novas, sem internet instalada em casa e dependendo de lan houses e dos computadores da UEL, passa com muita velocidade), uma postagem pontual, destinada a cumprir uma tarefa de avaliação da matéria de Tópicos de Ensino em História Contemporânea, do quarto ano de graduação em História da Universidade Estadual de Londrina, do Centro de Letras e Ciências Humanas, Departamento de História, disciplina sob responsabilidade do Professor Doutor José Miguel Arias Neto.

Este trabalho já está sendo feito dentro de uma linguagem virtual e contemporânea por si mesma, mas este não é o formato definitivo dele. O blog é um laboratório onde serão experimentadas formas de linguagem e utilização para o trabalho. Aqui, a ideia é criar – ou projetar – um material didático destinado à 5ª série do ensino fundamental a partir do livro didático que foi objeto de trabalho entregue há poucos dias, e do tema (ou de assuntos) presente(s) neste trabalho. O material proposto aqui pretende que os alunos experimentem a história colocando-se mais pessoalmente nela, a partir de referências reconhecíveis, fatos e/ou personagens particulares inseridos na Grande História e que lhes digam respeito de forma mais ou menos direta.
Para tanto serão trabalhadas a análise de documentos escritos e imagens e o suporte metodológico da história oral. Os alunos deverão trazer à sala de aula documentos, imagens, objetos ou narrativas que se refiram à época ou aos tipos de personagens abordados pela história da formação do Norte do Paraná, estes elementos contextualizados dentro do tema da(s) aula(s) e os alunos incentivados a estabelecer uma empatia com o assunto pesquisado.
A seguir um trecho das memórias de Candinho que pode ser usado para uma aula ou apenas a título de exemplo aqui:

Distrito Judiciário do Lageado
Foi criado em 1929, e o Cartório Distrital colocado sob o comando do jovem, dinâmico e letrado Aldo Claro de Oliveira. Candinho, com onze anos de idade, foi convidado a trabalhar e a pilotar a grande novidade que chegava ao local junto com essa espécie de independência: a primeira máquina de escrever que se via por ali. Chegava a ser assombrosa aquela engenhoca mecânica. Candinho ficou encantado com a oportunidade de experimentar sua habilidade e inteligência naquele mecanismo misterioso. Catando um milho aqui, outro acolá, ele preenchia, todo orgulhoso, laudas e laudas com aquela tipografia tosca, principalmente cartas para parentes distantes, tanto para demonstrar sua própria desenvoltura na escrita e na habilidade de datilógrafo quanto para autenticar, sem deixar espaço para dúvidas, o fabuloso progresso que então ocorria no Lageado.
Foi por aqueles dias mesmo que um decreto do presidente recém assumido, Getúlio Vargas, determinou que todos os cartórios fizessem, gratuitamente, os registros civis de quantos brasileiros os procurassem. Então começaram a chegar levas de pessoas, principalmente analfabetos, principalmente da zona rural, com listas de seis, oito, dez ou doze filhos; meninos e meninas recém nascidos ou com até poucos meses de vida, e rapazes e moças de dezesseis, dezoito, vinte e dois anos, muitos dos quais não se sabia com certeza o dia, o mês ou até mesmo o ano em que haviam nascido. Também casais que já conviviam há muito tempo e nunca tinham se casado iam até o cartório para regularizar a situação. Candinho tinha a função de fazer a relação dos filhos, arrumar pessoas do próprio patrimônio para assinarem como testemunhas, proceder ao preenchimento dos documentos e, depois de assinado pelas testemunhas e pelo escrivão, entregar aos pais o registro civil daquelas pessoas cujos nomes tinham sido trazidos para esse fim, ou aos felizes casais que, enfim, estavam regularizando sua situação. O governo queria incrementar o alistamento eleitoral. O cartório mantinha algumas testemunhas sempre de prontidão, e estas assinavam em quase todos os casos. Candinho trabalhou muito nesse período, até criar calos nas pontas dos seus dedos indicadores de tanto caçar letrinhas na máquina de datilografia.
Além do cartório, com a criação do Distrito Judiciário veio também a subdelegacia, construída uma cadeia de madeira numa praça do patrimônio e Candido, homem muito conhecido e de boas relações por ali, além de aliado e amigo de primeira hora de Aldo Claro de Oliveira, foi nomeado o primeiro subdelegado.
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Próximas postagens, a construção do projeto de material didático e os dados complementares deste trabalho.